DIREITO CIVIL IV
AULA 03 (03/03/2010)
- COMPRA E VENDA ENTRE ASCENDENTE E DESCENDENTE (ART. 496)
É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Para que o ascendente realize compra e venda com um descendente, exige-se o consentimento dos outros filhos e do cônjuge do ascendente, sob pena de anulação (é caso de anulabilidade).
O artigo 496 exige o consentimento dos descendentes e cônjuge na hipótese, em razão de possível desequilíbrio na sinalagma contratual no caso de falecimento do devedor ascendente. Isso porque parte do valor pago pelo descendente a ele retornará na abertura do inventário.
No entanto, em virtude deste artigo, algumas situações merecem ser analisadas.
a) Como deve ser feito esse consentimento?
O consentimento deve seguir a forma exigida para o contrato de compra e venda. Se a compra e venda for realizada de forma pública, o consentimento terá de ser expresso também de forma pública (princípio da congruência/identidade/continência das formas).
Se o contrato for compra e venda de imóvel que exceda 30 salários mínimos, será necessária a escritura pública para a formalização do mesmo, bem como o consentimento do cônjuge e demais ascendentes.
Tendo em vista que se trata de ato anulável, o consentimento pode ser feito em qualquer forma e, se necessário, convalidado depois, dentro do prazo decadencial de 2 anos (art. 179).
Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.
Ou seja, como o tratamento é de anulável, o consentimento poderá ser dado posteriormente à conclusão da compra e venda, de forma a convalidar o negócio.
b) E se os outros descendentes não consentir?
Existe a hipótese de se buscar o suprimento da vontade, através do Estado, representado pelo juiz, ajuizando uma ação contra o descendente que se recusa a consentir, que será interpelado sobre a existência de uma “razão legítima”. Há participação do Ministério Público, como fiscal da lei. No entanto, no caso concreto se torna muito difícil averiguar o que é razão legítima ou ilegítima.
"No caso de recusa da anuência, é possível buscar tutela judicial para o suprimento da vontade, aqui com a participação do Ministério Público como custus legis".
c) E se os descendentes forem casados? É necessário consentimento dos respectivos cônjuges?
A princípio, não é necessária a outorga dos cônjuges respectivos, pois se trata de COMPRA pelo descendente (a outorga só é dada na venda). Também, considerando-se o art. 496 em literis, os cônjuges dos descendentes não guardam relação com o ascendente (alienante), dispensando-se, portanto, o seu consentimento.
d) E no caso de os descendentes possuírem filhos também?
Os netos do vendedor da coisa também são descendentes dele, razão pela qual a doutrina entende necessário o consentimento dos mesmos para a realização do negócio. Ademais, a lei não estabelece o grau da descendência para efeitos desse consentimento.
No entanto, se esses filhos forem menores, os pais serão seu representante, e haverá conflito de interesses. Nesse caso, haveria a necessidade de nomeação de curador, que geralmente é o Ministério Público.
“Porque o artigo 496 não restringe os graus de descendência, exige-se que haja consentimento de todos os descendentes (corrente majoritária), inclusive na existência de netos e bisnetos.”
e) É permitida a venda de coisa pelo descendente ao ascendente?
Na hipótese inversa não é necessário nenhum consentimento, pois o negócio, nesse caso, apenas beneficiaria os outros descendentes do agora comprador.
f) Como se anula o negócio realizado sem consentimento dos outros descendentes?
É necessária a atividade jurisdicional, obtida através da Vara Cível. O descendente que se entender prejudicado deve ajuizar uma ação de anulação contra as pessoas que participaram da compra e venda (é hipótese de litisconsórcio necessário unitário).
“O interessado na hipótese de anulação deve requerê-la em juízo e contra todos os participantes do contrato de compra e venda, porque o litisconsórcio é necessário e unitário.”
O prazo para se requerer a anulação é decadencial de 2 anos, contados a partir da celebração do negócio (uma vez que a lei não estabelece outro prazo aplica-se o prazo geral de 2 anos).
OBS: Em regra, se a ação é condenatória, será tida como prescricional; se for constitutiva ou desconstitutiva, será decadencial. Em tese, a ação declaratória será tida como imprescritível.
Normalmente, o que não se encontra estabelecido nos arts. 205 e 206 (casos de prescrição) será caso de decadência de direito (o direito é potestativo – seu exercício é um poder do titular).
g) Regime de casamento que dispensa o consentimento do cônjuge (art. 496):
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.
Se o regime de casamento for de separação obrigatória de bens, não será necessário o consentimento do cônjuge para a compra e venda com descendente.
OBS: Tipos de regime:
- Comunhão parcial
- Comunhão universal
- Separação obrigatória/Legal/Impositiva
- Separação Convencional
- Participação final nos aqüestos (bens adquiridos onerosamente na constância do casamento)
“No regime de separação obrigatória (imposta pela lei), não se exige o consentimento do cônjuge do vendedor”
- PROMESSA/COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA
É um comprometimento a uma obrigação de fazer (realizar o contrato de compra e venda futuramente), desde que se implemente uma condição (geralmente o pagamento de determinado número de parcelas).
O compromisso/promessa NÃO é o contrato de compra e venda. É um contrato preliminar.
Não precisa ser feito através de escritura pública.
Promessa e compromisso não são sinônimos.
Se há promessa, há direito de arrependimento (arras). No entanto, se há compromisso, há cláusula de irretratabilidade. O compromisso é muito mais forte do que uma simples promessa. Não significa, porém, que as partes não possam desistir do contrato, se assim consentirem ambas.
“Promessa ou compromisso de compra e venda nada mais é do que um pré-contrato no qual as partes se obrigam a futuramente realizar a própria compra e venda. Logo, de compra e venda propriamente não se trata e assim não se exigirá as formalidades necessárias para uma compra e venda.”
“Diferença entre promessa e compromisso: promessa é passível de retratação e é geralmente incluída cláusula de arras penitenciais; compromisso existirá quando inserta cláusula de irretratabilidade (impossibilidade de arrependimento).”
A respeito do compromisso de compra e venda, alguns problemas podem surgir:
a) Há um compromisso de compra e venda, com cláusula de irretratabilidade, sujeito ao implemento de uma condição (ex: pagamento de x parcelas) e o promitente vendedor vende o bem para um terceiro de boa fé:
Nesse caso, pelo fato de o CC tutelar a boa fé, o promitente comprador só poderá cobrar em juízo o valor já pago ao promitente vendedor, caso este tenha patrimônio para responder.
O comprador enganado só poderia pleitear a anulação do negócio se comprovasse que o terceiro agia de má-fé.
Uma solução para evitar-se esse tipo de problema é levar o compromisso de compra e venda ao Registro de Imóveis, para que este passe a ter efeitos erga omnes. Dessa forma, passa-se de um mero direito pessoal para um direito real, que é muito mais consistente.
b) Há cláusula de irretratabilidade e o vendedor se recusa a fazer a compra e venda depois de implementada a condição:
O promitente comprador deve provar que pagou o preço e exigir que o juiz supra a vontade do vendedor e transfira o bem ao comprador. Chama-se essa ação de “ação de adjudicação compulsória”.
Artigos 1.417 e 1.418 do CC:
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
OBS: a cláusula de irretratabilidade também pode ser feita em compromisso de compra e venda de bens móveis.