DIREITO PENAL IV
AULA 02 (25/02/2010)
DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA
I) Incolumidade Pública:
Incolumidade, conforme Hungria, significa “o estado de preservação ou segurança em face de possíveis eventos lesivos. Refere-se tanto a pessoas como a coisas. Em qualquer caso, porém, trata-se de interesse atinente ás pessoas, que devem estar resguardadas da possibilidade de dano não só quanto à sua vida ou integridade física, como quanto ao seu patrimônio”.
A tipificação desses crimes visa proteger a vida, a integridade física e o patrimônio das pessoas. Ainda que não atinjam o sujeito de direito, esses crimes podem atingir bens dos sujeitos de direitos.
Assim, de acordo com essa perspectiva da incolumidade pública, os crimes serão classificados em:
- Crimes de perigo comum;
- Crimes contra a segurança dos meios de comunicação e transporte e outros serviços públicos;
- Crimes contra a saúde pública.
Tratam-se de crimes vagos, crimes os quais são praticados contra a coletividade.
- CRIME DE INCÊNDIO (art. 250 do CP):
Incêndio
Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
O crime de incêndio encontra-se inserido entre os crimes de perigo comum.
Incêndio, perante o Direito Penal, significa causar fogo em algo com o objetivo específico de expor a perigo a coletividade (a conduta deve ser dirigida finalisticamente para que ocorra o incêndio).
- Conceito:
O incêndio deverá expor a perigo a vida ou a integridade física ou o patrimônio de um número indeterminado de pessoas (é crime vago).
Para que o delito ocorra é mister a demonstração de que o incêndio trouxe perigo concreto para a vida, integridade física ou patrimônio de outrem. Não é aqui admitido o raciocínio correspondente aos crimes de perigo abstrato, cuja situação de perigo é tão-somente presumida, bastando a prática do comportamento previsto pelo tipo penal.
OBS: Artigo 250 versus art. 132 do CP:
A diferença entre o crime de incêndio, previsto no art. 250, e o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem (art. 132) se encontra no fato de que o crime de incêndio é praticado contra um número indeterminado de pessoas, ao contrário desse outro.
Além do mais, o crime de incêndio é crime concreto, depende de uma efetivação de perigo à coletividade. Por outro lado, o crime de periclitação da vida pode ser consumado ainda que o resultado não tenha de fato atingido a vida e integridade e física (há presunção de que houve perigo à saúde e integridade).
O crime de incêndio, portanto, é caracterizado por dois elementos:
- Incendiar
Conforme Noronha, “incêndio não é qualquer fogo, mas tão-só o que acarreta risco para pessoas ou coisas. É mister, pois, que o objeto incendiado seja tal que exponha a perigo o bem tutelado. Ainda: necessário é que esteja situado em lugar no qual o incêndio seja perigoso, isto é, provoque aquele perigo. Conseqüentemente, a queima de duas ou três folhas de papel num quintal, ou o incêndio de casa sita em lugar ermo e despovoado não caracteriza o delito, pois não acarretam perigo.”
- Expor a perigo.
- Sujeitos:
- Ativo: agente que comete a conduta delitiva. Pode ser até mesmo o proprietário da coisa contra a qual é dirigida a conduta. Assim, pode-se concluir que este crime é classificado como comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa.
- Passivo: vítima que sofre a conduta criminosa. É a coletividade. Não há necessidade, todavia, para reconhecimento do delito, que se aponte nominalmente as pessoas que se encontraram diante dessa situação de perigo, bastando que se conclua que, efetivamente, a conduta do agente trouxe perigo para a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, sendo considerado, portanto, um crime vago.
OBS: O sujeito passivo pode ser subdivido em formal e material. O sujeito passivo formal será sempre o Estado e o material será a própria vítima.
- Objeto material e Bem jurídico (bem protegido pelo ordenamento jurídico):
- Objeto material (o que é atingido): a própria vítima ou seu patrimônio.
- Bem jurídico tutelado: vida, integridade física e patrimônio das pessoas (incolumidade pública).
- Elementos objetivos do tipo:
- Núcleos do tipo:
- causar incêndio (incendiar)
- expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem. A exposição a perigo deve ser dolosa, para caracterização do incêndio (finalidade específica).
- Elementos subjetivos do tipo:
O crime de incêndio admite ambas as modalidades: dolo e culpa.
- Dolo – elemento subjetivo do injusto (dolo específico). Está exigido no caput do artigo 250. “Elemento subjetivo do injusto” significa “dolo específico”, expressão a qual se encontra em desuso. A conduta do agente deve ser dirigida finalisticamente a causar incêndio, sendo conhecedor de que, com a sua ocorrência, exporá a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem (elemento subjetivo do injusto). Dessa forma, o agente, no momento em que causa o incêndio, deve saber que o seu comportamento traz o perigo pois, caso contrário, o fato poderá ser atípico.
- Culpa – art. 250, § 2º
Incêndio culposo
§ 2º - Se culposo o incêndio, é pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
A modalidade culposa apenas é admitida quando prevista em lei.
O incêndio será culposo quando causado por imprudência, imperícia ou negligência.
Poderá o agente ter causado incêndio em virtude de ter deixado de observar o seu necessário dever objetivo de cuidado. Pode ser na modalidade omissiva (negligência) ou comissiva (imprudência). Nessas duas hipóteses o agente não admite a possibilidade de ocorrência de resultado. A imperícia, por último, de acordo com a jurisprudência moderna, tem sido considerada um meio-termo entre negligência ou imprudência, uma vez que a falta de capacitação pode ser tanto omissiva quanto comissiva.
- Classificação:
- Comum
Porque o sujeito ativo não requer nenhuma especialidade, característica, nem tampouco o sujeito passivo.
- Doloso ou culposo
- Comissivo ou omissivo
O núcleo “causar” pressupõe um comportamento comissivo por parte do agente. No entanto, poderá ser praticado via omissão imprópria quando o agente, garantidor, devendo e podendo agir, nada fizer para evitar a eclosão do incêndio. Art. 13:
Relevância da omissão
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Quando não há a figura do garante, a omissão importará no crime de “omissão de socorro”.
- Perigo comum e concreto
Crime de perigo comum é aquele que tem risco de dano, não o dano propriamente dito.
Crime de perigo concreto é aquele que deve ser comprovado o perigo ao qual estava exposto a vítima.
- De forma livre
- Instantâneo
A consumação é instantânea, por não haver habitualidade.
- Monosubjetivo, plurissubsistente, não-transeunte
Monosubjetivo significa dizer que para sua ocorrência é necessário a participação de apenas um sujeito.
Plurissubsistente – é quando o delito alcança todas fases do crime, sem haver uma aglutinação das fases. É possível identificá-las uma a uma. O crime perpassa por todas as fases do delito.
Não-transeunte – aquele crime que deixa vestígios.
- Consumação e tentativa:
A consumação é atingida quando o agente consegue a finalidade específica, o desiderato específico. A consumação é realizada quando a vida, integridade física ou patrimônio é exposta ao perigo, situação que deverá ser demonstrada no caso contrário.
- Desiderato específico: a finalidade específica é a exposição ao perigo.
É crime plurissubsistente.
OBS: “Iter criminis” – art. 14, II, CP:
Cogitação – preparação – execução – consumação (para o STF existe uma quinta fase, a do exaurimento, que se trata de um post factum impunível – utilizado apenas para dosimetria da pena – reprovabilidade da conduta).
Admite-se tentativa, tendo em vista que se trata de um crime plurissubsistente (é possível que, por circunstâncias alheia ao próprio agente, o crime não se consuma).
- Causas especiais de aumento de pena (§ 1º do art. 250):
Aumento de pena
§ 1º - As penas aumentam-se de um terço:
I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;
II - se o incêndio é:
a) em casa habitada ou destinada a habitação;
b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura;
c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;
d) em estação ferroviária ou aeródromo;
e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
g) em poço petrolífico ou galeria de mineração;
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
É fixa (1/3). São aplicadas apenas quando a conduta não recair em outro tipo penal, mais específico. Ex: fraude contra seguros.
As causas de aumento de pena somente se aplicam ao caput do art. 250 (incêndio doloso), por uma questão de organização do código penal.
a) Obtenção pecuniária:
Obtenção em pecúnia (dinheiro), não sendo necessário que o agente a obtenha efetivamente. A vantagem deve ser obtida como conseqüência do incêndio em si, e não como preço pelo cometimento do crime. Nesse último caso, de acordo com a doutrina, não se caracterizará a causa de aumento de pena, mas sim a agravante do art. 61 “motivo torpe” – mediante paga. Nucci entende que tanto faz a vantagem ser através do próprio incêndio ou através de paga pelo crime.
b) Incêndio recair sobre objeto material:
A maioria da doutrina entende que esse rol é taxativo, não admitindo interpretação extensiva.
1. Em casa habitada ou destinada à habitação: casa habitada é a que se encontra servindo de moradia, independente de ser temporária ou fixa. Destinada à habitação deve ser com a finalidade exclusiva de habitação.
2. Em edifício público (aqueles pertencentes aos entes públicos) ou destinado a uso público (ex: cinemas, teatros, prédios comerciais) ou a obra de assistência social ou de cultura (hospitais, asilos, museus, etc).
3. Em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo: não precisam estar ocupados, pois o patrimônio, de qualquer forma, será atingido.
4. Em estação ferroviária (transporte sobre trilhos) ou aeródromo (aeroporto). As estações rodoviárias não se incluem aqui, pois não se admite a interpretação extensiva, tendo em vista o princípio da vedação a interpretação prejudicial ao réu. Para Nucci, entretanto, é possível a inclusão.
5. Em estaleiro, fábrica ou oficina.
6. Em depósito de explosivo, combustível ou inflamável. A professora diferenciará na próxima aula esta causa de aumento de pena com o crime de explosão.
7. Em poço petrolífero ou galeria de mineração.
8. Em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
9) Formas qualificadas do crime comum:
Estão previstas no art. 258 do CP:
Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.
- Ação Penal:
É pública incondicionada.
OBS: Compete, pelo menos inicialmente, ao Juizado Especial Criminal o processo e julgamento do crime de incêndio culposo, em virtude da pena máxima cominada em abstrato, que não ultrapassa 2 anos.
11) Exame pericial:
É necessário exame pericial para a caracterização do delito (art. 173 do CPP), atestando a exposição ao perigo de vida, integridade física ou patrimônio:
No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.
“Dever de casa”
Tipificar, explicando e fundamentando, as situações abaixo:
a) Provocar incêndio em imóvel afastado da cidade.
b) Incêndio com a finalidade de causar a morte da vítima.
c) Incêndio e dano qualificado pelo emprego de substância inflamável.
d) Incêndio e estelionato praticado para recebimento de indenização ou valor de seguro.
e) Incêndio provocado por motivação política.
f) Incêndio e crime ambiental.